Com inflação anual em 55,1% e juros na casa dos 50%, povo argentino amarga as consequências do empobrecimento.
Já faz tempo que Argentina e crise soam como sinônimos — entra governo, sai governo e o vizinho do sul não consegue se livrar da urucubaca política e econômica que o arrasta para o abismo. A pandemia pegou o país com uma dívida impagável, os preços subindo sem controle e a pobreza enchendo as calçadas de pedintes. Ao longo dos meses de estagnação e medidas impopulares, Alberto Fernández, o burocrata que o peronismo instalou na Casa Rosada, rompeu de vez com sua criadora e vice, Cristina Kirchner.
Resultado: uma sequência de resultados negativos. Em março, o índice de inflação foi de 6,7%, o segundo mais alto do mundo, atrás apenas da Rússia em guerra (7,6%). Em abril, foram os juros que fizeram os argentinos chorar: o Banco Central os elevou pela quarta vez e a taxa anual chegou a 47%, um recorde planetário.
As perspectivas são desanimadoras. A inflação anual bateu em 55,1% e o mercado calcula que, ao fim deste 16º ano consecutivo de taxa na casa dos dois dígitos, ela dispare para 65%, o maior índice desde 1991. Quem tem de tocar a vida nesse ritmo reclama do supermercado, da farmácia e da padaria, onde é necessário muito jogo de cintura para driblar os acréscimos constantes, e mais ainda do colégio e do plano de saúde, de onde partem aumentos fulminantes — e incontornáveis — três ou quatro vezes por ano.
No acumulado do primeiro trimestre, só os gastos com educação subiram 27,9%. “Esses saltos arrebentam o orçamento da família de classe média”, diz Marina Dal Poggetto, diretora da consultoria EcoG.
O Instituto para o Desenvolvimento Social da Argentina (Idesa) calcula que, dos 46 milhões de argentinos, 40% se situam na classe média, mas só metade dessa parcela está na chamada “classe média acomodada”, com salários acima do equivalente a 15 000 reais por mês e poupança em dólar.
Os demais se acumulam na “classe média frágil”, que depende da soma dos ganhos de vários membros da família e, se um perde o emprego, o grupo todo pode cair na pobreza. Com o futuro em risco, a qualidade de vida desmorona. “A classe média argentina vive pior do que a do Brasil, do Chile e do Uruguai”, afirma o economista Jorge Colina, presidente do Idesa.
Antes acessíveis, bens como automóveis viram objeto de desejo distante. Segundo a Associação de Concessionárias, o zero-quilômetro mais barato — em abril era o Fiat Mobi, a 2 260 500 pesos (95 000 reais) na versão básica — está 75% mais caro do que há um ano. Diante dessa realidade, carro zero, roupas novas e lazer saíram da lista de compras de gente que, nos bons tempos, não abria mão disso.
Imerso no seu dramático tango político-financeiro, o país está perto de tomar o lugar da Venezuela de pior performance na América Latina. Nos domínios de Nicolás Maduro, a inflação no primeiro trimestre não passou de 11% e a projeção para o ano elaborada pelo Credit Suisse baixou de 150% para 70%, graças a uma política monetária mais realista, a acenos positivos para a promoção de negócios e à expectativa de aumentar as exportações de petróleo.
Já na Argentina, o governo de Fernández patina em um círculo vicioso: em choque aberto com Kirchner, que pisa na tecla popular de resistência a arrochos, e enfraquecida pela derrota nas urnas nas eleições legislativas do ano passado, a Casa Rosada abriu a torneira do gasto público, com aumentos de subsídios e planos sociais, o que aprofundou os desequilíbrios. Os vizinhos que se cuidem — no país natal do papa, as bruxas estão soltas e não dão sinal de se recolher tão cedo. *Veja