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Veja ditaduras que alegaram combater fake news para calar críticos e combate ao discurso de ódio para calar opositores

Embora termos como fake news e discurso de ódio venham ganhando destaque em debates sobre segurança nacional – não só no Brasil, como em outros países de democracia sólida, a exemplo dos Estados Unidos – experiências mundiais mostram que o combate às “notícias falsas” é um argumento recorrente entre as ditaduras, para censurar e reprimir dissidentes.

Com a liberdade de expressão em baixa no mundo, no último ano, o número de jornalistas presos por exercer a profissão bateu novo recorde global. De acordo com um levantamento do Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ), organização independente e sem fins lucrativos, baseada em Nova York, no início de dezembro, havia 363 repórteres privados de liberdade (20% a mais que no ano anterior) no planeta, 39 deles sob a acusação de propagar notícias falsas. Os cinco líderes no ranking de encarceramento de profissionais de imprensa são Irã, China, Mianmar, Turquia e Belarus.

“Prender jornalistas é apenas uma medida de como os líderes autoritários tentam estrangular a liberdade de imprensa. Em todo o mundo, os governos também estão aperfeiçoando táticas como leis de ‘notícias falsas’ e utilizando difamação criminosa e legislação vagamente redigida para criminalizar o jornalismo; estão ignorando o Estado de Direito e abusando do sistema judicial, e explorando a tecnologia para espionar os repórteres e suas famílias”, analisa Arlene Getz, diretora editorial do CPJ.

Confira sete vezes que ditaduras alegaram combater fake news para calar críticas de jornalistas e de cidadãos comuns ao regime:

Nicarágua 

Em outubro de 2020, o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, sancionou a Lei Especial de Delitos Cibernéticos, criminalizando conteúdos considerados falsos pelo governo. A chamada Lei Mordaça determina pena de um a dez anos de prisão para jornalistas e cidadãos comuns que fizerem críticas à ditadura em meios de comunicação e em redes sociais. Segundo a legislação, é o próprio governo quem define se uma informação publicada é falsa.

O expediente é usado por Ortega para desacreditar reportagens investigativas, além de denúncias de violações de direitos humanos cometidas pelo regime. Desde 2021, os chamados “crimes de ódio” são puníveis com prisão perpétua no país. Essa foi a acusação sofrida pelo bispo Rolando Álvarez, ao ser preso em agosto do ano passado. “Lembremos que o ódio é um crime, que todo crime é um delito, e um delito que deve ser investigado”, disse Rosario Murillo, que é casada com Ortega, além de ser sua vice. Acusado de “trair a pátria”, o bispo foi condenado neste início de ano a 26 anos de prisão, por “conspiração para minar a integridade nacional e propagação de falsas notícias através das tecnologias da informação e da comunicação em detrimento do Estado e da sociedade nicaraguense”.

Venezuela 

Em uma reforma parcial do Código Penal, em 2005, a Venezuela acrescentou o artigo 297-A, determinando que “qualquer indivíduo que, por meio de informações falsas veiculadas por qualquer meio, impressão, rádio, televisão, telefone, e-mail ou redação de panfletos, causar pânico na comunidade ou mantê-la em angústia, será punido com prisão de dois a cinco anos”. Na prática, a legislação serviu para embasar a prisão de jornalistas que publicaram informações sobre a Covid-19 no país, durante a pandemia.

Durante a campanha eleitoral de 2021, o ministro das Comunicações da Venezuela, Freddy Ñáñez, informou que a ditadura de Nicolás Maduro planejava vigiar as redes sociais, para “garantir a liberdade de expressão”. “Garantir a liberdade de pensamento é muito mais complexo do que simplesmente dar voz e visibilidade às diferentes propostas, aos diferentes discursos, às diferentes opções. Tem também muito a ver com a veracidade e a oportunidade de isto chegar verdadeiramente ao povo venezuelano”, justificou.

Egito 

Um dos países que mais prendem jornalistas no mundo, segundo o CPJ, o Egito também se utiliza do expediente de “restringir notícias fictícias” como caminho “necessário para a segurança nacional”. Em 2018, o parlamento egípcio aprovou uma lei determinando que contas em redes sociais com mais de 5 mil seguidores passariam a ser tratadas como meios de comunicação, podendo ser processadas por publicações de notícias falsas.

No ano anterior, o regime já havia decidido pela remoção de 21 sites, entre eles o da rede de televisão Al Jazeera, sob a acusação de “apoiar o terrorismo e espalhas notícias falsas”.

O jornal inglês The Guardian acentua que o termo “fake news” é “uma poderosa ferramenta de repressão do governo” no Egito. No ano da eleição, em que concorreu praticamente sozinho por intimidar a oposição, o presidente Abdel Fatah al-Sisi alegou que o governo enfrentou “21 mil boatos em três meses”, o que estaria espalhando instabilidade.

Durante a pandemia, o Repórteres Sem Fronteiras denunciou que o principal órgão regulador de mídia do Egito bloqueou ou limitou o acesso a sites de notícias e contas em redes sociais, alegando que espalhavam “rumores” sobre a pandemia.

Rússia 

Desde o início da guerra na Ucrânia, a Rússia intensificou o controle da informação dentro do país, censurando a imprensa, limitando sinais de internet, removendo sites e restringindo redes sociais. De um lado, os termos guerra, ataque ou invasão foram proibidos na mídia independente pelo Roskomnadzor, agência reguladora das comunicações, devendo ser substituídos por “operação militar especial no Donbass”. De outro, órgãos oficiais divulgavam à exaustão a versão de que Putin estava “desnazificando” uma Ucrânia que estaria cometendo genocídio contra russos.

No ano passado, o Roskomnadzor acusou a Wikipedia de hospedar informações falsas sobre sua “operação militar especial”, ameaçando multar a plataforma, caso não apagasse os conteúdos.

As chamadas “fake news” também são uma ferramenta de repressão, usada para prender e condenar jornalistas que divulgam informações sobre a guerra. Um deles é Mikhail Afanasyev, editor-chefe da Novy Fokus, preso em abril do ano passado, por divulgar “informações deliberadamente falsas”, segundo o governo, sobre 11 soldados dissidentes no exército russo. Em março de 2022, Putin sancionou uma lei para punir notícias falsas sobre a guerra e o exército.

Belarus 

A Assembleia Nacional de Belarus aprovou em junho de 2018 um projeto de emenda permitindo “processar pessoas suspeitas de espalhar informações ‘falsas’ na Internet”. O governo alega que a medida é uma forma de proteger a segurança da informação, mas analistas apontam a legislação como um recrudescimento da censura midiática no país.

“O governo bielorrusso entrou na onda das ‘notícias falsas’ não porque quer proteger os cidadãos das falsidades, mas porque quer mais poder para decidir quais informações eles recebem”, disse Nina Ognianova, coordenadora do programa do CPJ Europa e Ásia Central.

Nesta quinta-feira, o ditador Alexander Lukashenko, principal aliado da Rússia na guerra na Ucrânia, promulgou uma lei que pune com a pena de morte a alta traição cometida por funcionários do Estado. A legislação “endurece” o código penal em relação a crimes de extremismo e terrorismo. Recentemente, o país condenou a dez anos de prisão o vencedor do Nobel da Paz e ativista de direitos humanos Ales Bialiatski.

Cuba 

Depois que milhares de pessoas saíram às ruas para pedir liberdade e melhores condições de vida, em meio a uma forte crise econômica e sanitária em Cuba, em 2021, a ditadura cubana anunciou uma nova norma de cibersegurança, considerando a publicação de conteúdos “subversivos” na internet um incidente “altamente perigoso”.

Conhecida como “lei da mordaça” a matéria permite ao regime sancionar os críticos do Partido Comunista (PCC, único partido legal) ou do ditador Miguel Díaz-Canel. A norma também torna possível a restrição da internet em situações que o governo considere se tratar de informação falsa. Enquanto a regulamentação cubana considera a pornografia como material de média periculosidade, a “subversão social”, que consiste na “tentativa de alterar a ordem pública e promover a indisciplina social” é considerada de “muito alta” periculosidade.

China 

A censura de informações é uma marca mundialmente conhecida da China, que ficou em evidência com os efeitos da política Covid-Zero e seus dados oficiais bastante díspares da realidade. Em janeiro, o jornal The Guardian informou que “a empresa de previsão de saúde Airfinity estimou que mais de 600 mil pessoas provavelmente morreram desde que as restrições zero-Covid foram suspensas em dezembro”, dez vezes mais do que as autoridades chinesas divulgaram oficialmente.

Para eliminar “sentimentos sombrios” causados por “rumores” pandêmicos durante o festival do ano novo lunar deste ano, as autoridades cibernéticas chinesas implantarão o que chamaram de “melhoria online do Festival da Primavera”. A medida consiste na “retificação profunda de informações falsas e outras questões” sobre a disseminação da Covid e as experiências dos pacientes. “Parece que a melhor maneira de resolver o problema é ‘cobrir a boca’.” disse um usuário chinês no Twitter.

Outro tema silenciado pela censura chinesa é a tortura dos muçulmanos uiguires. De acordo com uma reportagem da BBC, em 2021, “além das pesadas restrições que impõe aos jornalistas estrangeiros que tentam relatar a verdade sobre a região de Xinjiang, no extremo oeste, a China tem uma nova tática: rotular a cobertura independente como ‘notícias falsas’”.

*Gazeta do Povo

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