
Nove anos após a implementação da Lei do Feminicídio, mais uma importante alteração na legislação busca coibir essa violência que está presente no cotidiano de inúmeras mulheres. Na última quarta-feira (09.10), o presidente Lula sancionou a Lei 14.994, de 2024, que torna o feminicídio um crime autônomo e agrava a pena para a maior prevista no Código Penal, de até 40 anos.
Pela legislação anterior, o feminicídio era definido como um crime no âmbito do homicídio qualificado. Já a nova lei torna o feminicídio um tipo penal independente com pena maior. Isso torna desnecessário qualificá-lo para aplicar penas mais rigorosas. Assim, a pena passa de 12 a 30 anos para de 20 a 40 anos de reclusão.
A lei partiu do Projeto de Lei (PL) 4.266/2023, da senadora Margareth Buzetti (PSD-MT), que foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em novembro do ano passado. A proposta, que teve relatório favorável do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), seguiu direto para a Câmara, de onde foi remetida à sanção presidencial.
O defensor público Rafael Villar é o responsável pelo Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher (Nudem) na Região do Cariri e explica as mudanças na legislação. “Essa lei é uma nítida mensagem dos legisladores para tentar inibir ou diminuir os crimes contra as mulheres. É importante saber que boa parte dessa lei só se aplica a crimes novos, depois da publicação, os crimes antigos não são afetados por essa lei”, destaca o defensor.
Conhecida como “Pacote Antifeminicídio”, a norma altera o Código Penal (Decreto-Lei 2.848, de 1940), a Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688, de 1941), a Lei de Execução Penal (Lei 7.210, de 1984), a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072, de 1990) e a Lei Maria da Penha (Lei 11.340, de 2006).
“A pena do crime de lesão corporal contra a mulher em razão de violência doméstica ou condição de gênero, também mudou, passou de 1 a 4 anos e agora é reclusão de 2 a 5 anos. A injúria, a calúnia e a difamação, que são crimes contra a honra, se cometidos em razão da condição do sexo feminino no contexto de violência doméstica, esses crimes têm uma pena em dobro. A ameaça também foi outro crime modificado e não depende da representação da vítima, porque antes era preciso que a vítima formalizasse a denúncia. Agora esse crime é uma Ação Pública Incondicionada e independente da autorização da vítima para representação junto ao Ministério Público”, complementa Rafael Vilar.
A Lei das Contravenções Penais também mudou. “Se mesmo condenado e cumprindo pena, o agressor continuar ameaçando a vítima ou familiares, a nova lei determina que ele poderá ser transferido para estabelecimento prisional fora do local onde vive a mulher. No caso do cumprimento de pena por feminicídio, ele só poderá progredir de regime depois de 55% da pena cumprida e qualquer benefício para sair do estabelecimento penal só será possível com monitoramento eletrônico. Por fim, o descumprimento de medida protetiva no âmbito da Lei Maria da Penha, que tinha uma pena de três meses a dois anos, agora tem uma pena de reclusão de dois anos a cinco anos. Foram aumentos bem significativos”, destacou o defensor.
Outra mudança são os efeitos da condenação em ações criminais que o autor da violência cometa contra a mulher, por razão da condição do sexo feminino ou no contexto da violência doméstica. Algumas sentenças condenatórias terão efeitos imediatos da perda do cargo, função pública ou mandato eletivo. E também a incapacidade para o exercício do poder familiar em relação aos filhos. “Enquanto ele estiver cumprindo essa pena, ele não pode assumir qualquer cargo público, ser nomeado ou exercer função pública enquanto estiver cumprindo essa pena”, complementa o defensor.
A supervisora do Nudem de Fortaleza, a defensora Jeritza Braga, analisa como positiva as alterações. “É um grande avanço e um marco na elaboração de políticas públicas. A gente sabe que, para além da própria vítima, existem as vítimas secundárias, crianças e adolescentes que são os órfãos do feminicídio e as outras mulheres desse núcleo familiar que precisam reestruturar toda a vida. A mulher que é morta, na grande maioria das vezes, é a responsável financeira pelo lar e esse núcleo familiar precisa se reestruturar depois de uma violência tão grave”, pontua.
Jeritza reflete sobre os desafios de garantir o acesso à justiça em uma sociedade ainda marcada pelo machismo e patriarcado. Ela lembra que, apesar dos avanços, a luta continua árdua. “Somos culpadas por querer participar, estar no mundo, escrever nossa própria história”, desabafa, sublinhando a importância da sororidade e do apoio mútuo entre as mulheres.
Agressões e mortes
Segundo o 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 1.467 mulheres morreram vítimas de feminicídio em 2023 — o maior registro desde a sanção da lei que tipifica o crime, em 2015. As agressões decorrentes de violência doméstica tiveram aumento de 9,8%, e totalizaram 258.941 casos.